terça-feira, 3 de abril de 2012

Adaptar-se... Adaptando-me... Adaptando-os. - Reflexões após duas semanas de aulas - Francieli


NÃO VOU ME APTAR - NANDO REIS

Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia
Eu não encho mais a casa de alegria
Os anos se passaram enquanto eu dormia
E quem eu queria bem me esquecia

Será que eu falei o que ninguém dizia,
Será que eu escutei o que ninguém dizia,
Eu não vou me adaptar, me adaptar

Eu não tenho mais a cara que eu tinha
No espelho essa cara já não é minha
Mas é que quando eu me toquei achei tão estranho
A minha barba estava desse tamanho...

Será que eu falei o que ninguém dizia,
Será que eu ouvi o que ninguém ouvia,
Eu não vou me adaptar, me adaptar


Trago a letra dessa música pois relaciono ela com muitas coisas na minha vida, entre elas o meu percurso dentro da docência. A escola cheia de suas regras e conteúdos, aquelas grades e os olhares estranhos dos outros professores, tudo isso me faz me sentir uma estranha lá dentro. As vezes, em aula volto a sentir aquela sensação de ser aluno, e essa sensação é tão boa. Mas logo volto a mim, e visto a minha fantasia de professor, mas as vezes sinto que tudo lá dentro está errado e que a escola é um grande circo de farsas. E aí defendo a temática do meu projeto. Eu não acredito em um ensino que não se relacione com a vida dos estudantes. Eu não acredito na figura do professor como um ser supremo, que jamais comete erros, que não se alimenta ou não vê televisão... O professor que não fala palavrões, ou que não se revolta com muitas coisas. Eu não acredito nas portas e grades da escola. Não acredito no professor como um sujeito que nasceu adulto... não teve infância e não teve adolescência...

"Os alunos apresentaram resistência". Que resistência é essa? Será que são eles que não se adaptam à escola, ou é a escola que não se adapta à eles? Na semana passada uma professora da escola me chamou a atenção pelos alunos terem saído da sala de aula quando a minha aula acabou e eu não ter "impedido". Acho que terei problemas com ela, por que eu parto do princípio de que o aluno não é obrigado à ficar na aula se não quer. A minha porta fica aberta para quem não quer a aula, sempre. Até hoje nenhum dos alunos saiu. Então, posso estar errada, mas algo não está agradando na aula dessa professora. Desculpem, mas não ando com algemas para grudar os alunos nas classes... Posso estar sendo radical demais. Aceito críticas nesse ponto... Construtivas por favor, mas essa sou eu... pelo menos enquanto eu ainda reconheço o meu rosto no espelho.

Com esse pensamento lancei meu próprio desafio, partir do cotidiano dos estudantes para levantar questões referentes às artes visuais. As 3 aulas que tive com a turma 102 funcionaram como um campo de pesquisa onde tentei me aproximar deles, conhecê-los melhor. Foi um período de reconhecimento da turma, que eu julguei importante, pois o meu projeto diz respeito à cultura do cotidiano desses estudantes, e sem conhecê-los é difícil encontrar um ponto de partida.

A partir disso na aula anterior propus que escolhessem um objeto de uso cotidiano de cada um, o qual dissesse algo acerca deles. A partir disso solicitei que escrevessem em seus diários de ideias o por que da escolha desse objeto, e o que ele diz de cada um. Em seguida propus que pegassem esse objeto e desconstruíssem a imagem dele, fazendo um desenho a partir do qual o objeto inicial ficasse irreconhecível. Nesse momento introduzi através de um texto, a questão da arte abstrata e a diferença entre ela e o naturalismo. A presentei também artistas como Kandinsky, Paul Klee, Manabu Mabe, Piet Mondrian, Kazimir Malevich e Tomie Ohtake.

Fui apressada demais e acabei atropelando as coisas... Tenho que ter mais calma...

A turma partiu logo para o desenho, e foi uma dificuldade. Alguns faziam desenhos extremamente figurativos, e minha intenção era aproximá-los do abstracionismo. Quando percebi isso, fui ao quadro e solicitei que olhassem as obras que estavam no texto. Questione-os se conseguiam identificar o que aquelas imagens representavam. Alguns disseram que em alguma sobras reconheciam: -É uma árvore. -É um rosto. Então falei que a arte abstrata por muitas vezes fazia com que a imagem apresentada fosse irreconhecível, e que era isso que eu queria que eles fizessem ao representar seus objetos.

Na próxima aula eles apresentarão os desenhos aos colegas que tentarão identificar o objeto não apenas pelo desenho mas pelo que conhecem do outro. A intenção é que pelo desenho o objeto seja irreconhecível, que o que faça com que eles identifiquem esse objeto seja a convivência e o conhecimento que um tem sobre o outro. Estou ansiosa para ver se vai funcionar. Solicitei que lessem o texto em casa, mas embora sejam muito dedicados, acredito que não irão ler, por isso faremos isso na próxima aula.

Estou em um In-Yang comigo mesma. Por um lado estou feliz por estar começando a por em prática o meu projeto da forma como me proponho: partindo dos estudantes, e por outro estou triste pois ainda não consegui superar essa minha mania de atropelar tudo...

Abraços e boa Páscoa à todos!!!

5 comentários:

  1. Algumas anotações (soltas) sobre o relato da Fran, ou questões que eu não tenho resposta para continuarmos pensando:

    - Será que existe, de fato uma adaptação na escola, sendo que se trata de um lugar em permanente transformação?
    - As 'grades' da escola são físicas somente? Elas poderiam estar em nós mesmos, ser fruto da nossa interpretação do lugar?
    - O que seria uma 'fantasia de professor'? Como seria ela?
    - Uma aula que se relaciona com o contexto, com a cultura cotidiana basta para ser uma 'boa aula'?
    - Seria o suficiente a escola adaptar-se aos alunos ou os alunos a escola?
    - O que o 'abstracionismo' e seus 'grandes mestres' tem a ver com culturas cotidianas estudantis?
    -Que visualidades contemporâneas ajudariam a pensar um 'abstracionismo' da figura (que contemporaneamente, não necessariamente precisa perder seu referencial por completo)?
    - De que outros modos poderíamos pensar em um 'abstracionismo' do objeto que não necessariamente fizesse uso do desenho? Ou seja, se eu propusesse um outro uso para o objeto que não o usual, eu já não estaria deslocando seu referencial?
    - É possível reconhecer alguém por algo que essa pessoa gosta? Isso não reafirmaria a questão da 'identidade fixa' que justamente temos tentado repensar em nossas práticas?

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  4. Não há uma adaptação na escola, não uma adaptação eterna e imutável, mas momentânea acredito que possa haver sim.
    As grades não são somente físicas mas não são apenas uma interpretação, com certeza. Elas possuem um significado, poderíamos pensar nesses significados que elas tem.
    A fantasia de professor a qual me refiro é minha, para meus colegas ela pode não existir. é um relato meu, sobre a minha experiência portanto trago as minhas reflexões.
    Em momento algum julgo que uma aula que trate do cotidiano seja uma "boa aula". Ela pode ou não funcionar, assim como qualquer outra temática que venha a ser abordada. Mas eu defendo a ideia de trabalhar com ela porque a minha experiência em sala de aula me mostrou que ela pode proporcionar pontos positivos.
    Não seria suficiente uma adaptação... Seria suficiente um novo olhar sobre o espaço escolar e a constituição de suas relações.
    Os "grandes mestres" podem não ter relação, mas essas relações podem ser construídas em aula, e é o que estou tentando fazer.
    Quanto às visualidades contemporâneas terei que pensar em possibilidades ainda.
    Quanto ao deslocamento de significado do objeto podem ser pensadas em diversas possibilidades até mesmo no dadaísmo ou na arte contemporânea, mas naquele momento me detive ao abstracionismo. Foi uma proposta, que ainda está se desenvolvendo, mas que certamente poderia ter abordado outras questões, mas no momento de elaboração das propostas pensei nessa possibilidade.
    Quanto às identidades fixas, estaria reafirmando e não. No momento em que os estudantes apontarem isso, talvez eles mesmos relatem que não são identificados APENAS por um elemento. Se isso não acontecer, poderemos também questionar essa situação, problematizando-a.

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  5. Fran, eu te sinto mais tranquila a cada encontro, mais madura com o processo docente e principalmente, aprendendo a lidar com posicionamentos que diferem dos teus.
    marilda

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